CRÍTICA: PECADORES: O pecado que liberta.
- João Paulo
- 8 de jul.
- 4 min de leitura

Quando Eva desobedece Deus e come o fruto proibido da árvore do conhecimento, aos olhos de Deus ela peca e junto de Adão é expulsa do Jardim do Éden. Adão e Eva rompem com sua natureza primitiva e se tornam conscientes. Deixam de ser macacos e se tornam humanos. Passam a conhecer o bem e o mal.
"Existem lendas sobre pessoas que nasceram com o dom de fazer música tão autêntica que pode rasgar o véu entre a vida e a morte, invocando espíritos do passado e do futuro. Esse dom pode trazer a cura para suas comunidades, mas ele também atrai o mal."
Assim começa Pecadores, escrito e dirigido por Ryan Coogler, também diretor de Pantera Negra e Creed. De maneira muito inteligente, o filme já coloca no nosso prato o que irá servir e como irá servir. Através de um momento da nossa história, a segregação racial, através de religiões impostas ou não, através do horror e da música, Pecadores conta a história da melhor noite de blues das nossas vidas.
"O blues não foi imposto como essa religião. Não, filho, nós a trouxemos lá da nossa terra. É magia o que nós fazemos. É sagrado e grandioso."
Sammie, filho de um pastor da comunidade, é apaixonado por blues. Paixão que é vista aos olhos do pai como uma tentação. Algo reprovável, algo que o desvia dos bons valores. Ao mesmo tempo, os irmãos Smoke e Stack estão de volta à sua cidade natal para abrir um clube de blues. Pretendem abrir o negócio no mesmo dia que chegaram.
O filme não economiza tempo ao mostrar esse processo nos introduzindo aos personagens. Rapidamente e facilmente somos familiarizados com todos. Entendemos suas realidades, suas motivações, suas crenças, suas batalhas e o objetivo em comum de terem uma ótima noite de blues.
“Um pecador como eu não pode pedir mais que isso.”
Em uma das melhores cenas do cinema em 2025, Sammie canta: “Pai, eu menti pra você. Eu amo o blues.” Uma cena que atravessa o tempo e torna palpável uma herança, mas principalmente a música como forma de transcender barreiras de raça, gênero, cor e tempo. A música, o pecado, como forma de libertação.
A partir desse momento, o filme muda completamente de tom. O horror começa. Ao mesmo tempo, me pergunto: eles já não vivem o horror todos os dias? Não seria esse momento um “arrebatamento”? Não um apocalipse que vem para destruir, mas para libertar?

Pecadores lida com a tensão entre culpa e transcendência, entre o sagrado e o profano, entre o corpo e a alma. O filme explora o lado da religião que sufoca a vida, mas também a fé como maneira de nos conectarmos com quem amamos, com a nossa história, nossas raízes. Como Nietzsche diz em seu livro O Anticristo, o cristianismo corrompeu a própria razão das naturezas mais fortes de espírito, ensinando-lhes a perceber como pecaminosos, como enganosos, como tentações os valores supremos do espírito. Uma fé que não eleva, mas tolhe; uma moralidade que, em vez de nos redimir, nos afasta de nós mesmos.
Sammie encontra na música sua própria religião. Ele encontra propósito, significado e sentido. Idealiza um futuro para si. A forma como Pecadores retrata isso, do começo ao fim do filme, é de uma beleza e uma sensibilidade absurdas. Me emocionei e chorei em vários desses momentos. Um choro que vem por mim também. Um choro de quem se vê nessa história, se sente visto e reconhecido.

É uma história que fala sobre ancestralidade, negritude, mas também sobre temas universais como a busca por identidade própria, o abraço das nossas raízes mais profundas e a coragem de trair o status quo para sermos fiéis a quem realmente somos.
Em algumas cenas sinto que estou vendo um espetáculo, uma ópera rock! Um rock litúrgico: uma oração berrada com corais e batidas que soam como trovões apocalípticos. Uma missa profana. O filme também engrandece sua história através da imagem. Pecadores intercala formatos de imagem, entre o IMAX e o widescreen tradicional, para amplificar a experiência sensorial e emocional. A tela respira junto com a narrativa.
Somando ainda mais ao filme, o elenco está absolutamente em harmonia. Michael B. Jordan, Hailee Steinfeld, Miles Caton, Jack O'Connell e todos os outros demonstram estar completamente à vontade como se estivessem, de fato, tocando juntos na mesma banda.
Pecadores ousa e utiliza toda a sua criatividade para contar uma história inesquecível. Um exemplo que transcende os gêneros, que não tenta se colocar em uma caixinha. É uma vitória para o cinema de 2025. Uma história original que foi além e atingiu públicos de todas as idades de todas as partes do mundo. Uma história com uma mensagem gritante, mas que ainda assim passa despercebida por muitos.
Nilton Bonder diz no livro A Alma Imoral: “Como bons descendentes de Adão e Abraão, como não provar da árvore e como não sair de casa?” Ainda bem que Eva mordeu a maçã. O primeiro exemplo transgressor e questionador. O exemplo de uma humanidade que experimenta o proibido, rompe com sua inocência primitiva e desafia limites estabelecidos. Sammie escolhe o blues todos os dias. Ele encontrou no blues a sua luz e não a deixará se apagar.
“Esta minha pequena luz, eu vou deixá-la brilhar. Todos os dias, todos os dias, vou deixar a minha pequena luz brilhar.”

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