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CRÍTICA: 28 YEARS LATER: Lembre-se de morrer. Lembre-se de amar.

  • Foto do escritor: João Paulo
    João Paulo
  • 20 de jun.
  • 6 min de leitura

Uma vez, James Baldwin disse: "A vida é trágica simplesmente porque a Terra gira, e o sol nasce e se põe, inexorável, até que um dia, para cada um de nós, o sol se põe pela última vez. Talvez toda a raiz do nosso problema, o problema humano, seja que sacrificaremos toda a beleza de nossas vidas, nos aprisionaremos em totens, tabus, cruzes, sacrifícios de sangue, campanários, mesquitas, raças, exércitos, bandeiras, nações, só para negar o fato da morte, que é o único fato que temos."


Estamos cercados pela morte. O tempo todo. E, mesmo assim, escolhemos não enxergar isso, não falar sobre isso. Tentamos entendê-la através da ciência, das religiões e das histórias, e ela ainda é considerada um tabu. Cada um de nós tem uma relação diferente com a morte. Como dito em Sandman, pela própria Morte, para algumas pessoas, a morte é uma libertação. Para outras, uma abominação, uma coisa terrível. Mas, no fim, ela chega para todos.


Em 2002, 28 Days Later, dirigido por Danny Boyle e escrito por Alex Garland, chocou e surpreendeu o mundo com sua crueza, sua simplicidade e ferocidade ao abordar temáticas tão profundas e sensíveis para um filme do gênero. Ainda que ambientado em um apocalipse zumbi e vendido como tal, o filme encara, sem virar os olhos, o outro. Encara a morte, nós mesmos, a guerra, a violência e tudo o que é selvagem e animal dentro de nós. “Pessoas matando pessoas”, como é repetido no filme inúmeras vezes.


É seguindo essa construção, gradual e tortuosa, que acompanhamos Jim, interpretado por Cillian Murphy, fazendo o que é necessário, abraçando sua bestialidade, sua imoralidade, para sobreviver. Selena, interpretada absurdamente pela atriz Naomie Harris, já está habituada à selvageria, ou pelo menos diz estar. É a forma que encontrou para sobreviver.


28 Days Later é um filme que abraça e incorpora essa concepção tanto na sua narrativa quanto na sua técnica. Através da imagem, suas distorções, movimentos, cores e enquadramentos, transmite o caos dentro e fora dos personagens. Não só nos coloca naquele universo, como dentro da cabeça de cada um deles.


A experimentação do som e da imagem é uma característica marcante que fico feliz de dizer que não só não abandonou a franquia, como evoluiu em 28 Years Later, também pensado e executado por Danny e Alex.



Em 28 Years Later, além de colher o que foi plantado pelo seu antecessor, o filme se beneficia do tempo para incorporar na história uma maturidade, uma sensibilidade, apenas adquirida com vivências do mundo real. Através delas, o filme conta uma história de amor. Um amor de mãe e filho que vai além da vida e da morte.


Também dessas vivências, conta, de maneira horripilante, o horror da guerra. Me arrepio só de lembrar e fico aterrorizado ao escutar o poema Boots, do autor Rudyard Kipling, recitado no filme:


"Eu marchei seis semanas no Inferno e certifico que não são demônios de fogo, escuridão ou algo assim, mas botas, botas, botas, botas subindo e descendo de novo."


É com prazer nos dedos enquanto escrevo, com brilho e terror nos olhos, com os peitos cheios de orgulho que posso dizer que, nos primeiros minutos de 28 Years Later, eu já estava perdidamente imerso, impressionado e apaixonado com o que eu estava assistindo. Por mais conflitante que seja assistir algo tão visceral e aterrorizante, não consigo deixar de me maravilhar com a arte do cinema.


Como diz o nome, o filme se passa 28 anos depois que o surto do vírus devastou toda a Grã-Bretanha em questão de semanas. Londres vira uma cidade-fantasma e o caos é total. O governo entra em colapso, mas o vírus fica contido dentro das ilhas britânicas, enquanto o resto do mundo apenas acompanha de longe.


O filme de 2025 começa brutal, em uma sequência de cenas carregadas de simbolismo e um horror desconcertante. Acompanhamos o jovem Spike e seu pai, Jamie, que moram isolados numa comunidade costeira, indo de propósito às ilhas para que Spike possa matar seus primeiros zumbis. Se tornar um futuro soldado, um guerreiro, podemos dizer.


As sequências de ação não apenas trazem novamente o experimentalismo do primeiro filme como o engrandecem. Através de uma inventividade invejável, 28 Years Later usa e abusa da imagem de maneiras ridículas e absurdas para construir, através do quadro, das cores e dos movimentos de câmera, uma sensação desconcertante, quase alucinógena. Durante todo o filme, eu pensei comigo mesmo se tinha algo nos meus óculos, na minha visão, que estava causando aquele efeito.


Por exemplo: 28 Years Later foi, em grande parte, filmado com iPhones 15 Pro Max, usando equipamentos com múltiplos aparelhos simultaneamente. Algumas cenas chegaram a usar até 20 iPhones ao mesmo tempo. A ideia foi remeter ao estilo do original de 2002, que foi filmado com uma camcorder digital, conferindo um visual imersivo e visceral. Uma escolha que permitiu filmagens mais ágeis e econômicas, com estética moderna. Uma decisão técnica ousada que casou inovação, nostalgia e uma estética crua dentro da franquia.



Efeitos especiais que podem ser vistos facilmente por alguns olhos como apenas truques. Podem julgar como “pretensioso” ou “virtuosista” demais. No cinema, tudo é truque. A diferença está em se esse mesmo truque, qualquer que seja, te coloca mais pra dentro ou pra fora da história. O truque engrandece ou diminui? No fim, tudo isso é imensuravelmente pessoal.


28 Years Later não tem medo de seguir caminhos fora do convencional. Se a primeira metade do filme é focada em introduzir um universo apocalíptico devastado com sequências de ação eletrizantes, a segunda metade prioriza o drama humano e vai até a ferida, a cicatriz, mais dolorosa de todas. É de uma sensibilidade ímpar. O filme tem uma das cenas mais emocionantes do ano.


Ainda estou tocado pelas performances de Alfie Williams, Ralph Fiennes e, principalmente, da gigante Jodie Comer. Um trio que soube passar para a tela essa vulnerabilidade, essa resiliência e força que a história tanto se esforça para expor. É uma das várias características que diferenciam a franquia de outros filmes do gênero.



É muito fácil se deixar levar pelo que os filmes aparentam ser. Como se mostram pro mundo, se apresentam, se vendem. Muitas vezes, não mergulhamos fundo o suficiente para absorver o que aquela história realmente quer contar.


Ratatouille, por exemplo, não é um filme sobre um rato que sabe cozinhar. Procurando Nemo não é sobre um peixe que se perdeu no oceano. O Poderoso Chefão não é um filme sobre a máfia. Todos esses exemplos não carregam como sua finalidade essas características. Elas são o meio, não o fim.


Dessa forma, podemos dizer também que 28 Days Later e 28 Years Later não são sobre um apocalipse zumbi. O apocalipse é o meio pelo qual a história revelará, através dos personagens e acontecimentos, a sua verdadeira mensagem.


Ambos os filmes carregam nas entrelinhas uma reflexão profundamente anti-guerra. Explorando desde a violência causada quando ferimos o outro, as consequências causadas por isso de curto a longo prazo, os horrores da guerra, da perda total de humanidade, a forma como lidamos com a morte, a morte do outro, a nossa morte, e como lidamos com o amor, o amor ao outro e o amor a nós mesmos.


Apenas uma boa e verdadeira escrita reconhece a oportunidade que é contar uma história. Como Robert McKee fala em seu livro Story, um roteirista deve cultivar o amor pela história, pelo dramático, pela verdade, pela humanidade, pela sensação, pelo sonhar, pelo humor, pela linguagem, pela beleza, pela singularidade, pela dualidade, pela perfeição e o amor próprio.


Existe uma citação de William Gladstone que diz o seguinte: "Mostre-me o modo como uma nação trata seus mortos e medirei com precisão matemática a terna misericórdia de seu povo, seu respeito pela lei da terra e sua lealdade a altos ideais."


Filmes como 28 Days Later e 28 Years Later nos lembram o potencial que mora nas histórias. São as histórias que dão sentido para as nossas vidas. São as histórias que dão sentido para a morte. É através das histórias que honramos os que vieram antes de nós, que valorizamos os presentes e cultivamos os que ainda virão.


É a forma de nos mantermos vivos mesmo quando não estivermos mais aqui. Amar é também construir uma história. Construir uma história, guardá-la, preservá-la, é também uma forma de amar.


Tenhamos tudo isso em mente.



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