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CRÍTICA: Superman (2025): Um Espelho da Realidade e uma Fantasia Reconfortante

  • Foto do escritor: João Paulo
    João Paulo
  • 22 de jul.
  • 6 min de leitura
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A fé e a esperança são dois conceitos que sempre me intrigaram profundamente. Adoro a forma como descrevem a fé no filme Inside the Yellow Cocoon Shell, como dar um brinquedo para alguém e esperar que essa pessoa devolva o brinquedo para você. A fé e a esperança, por si só, não têm nada que as sustente, nada que as segure, não têm um quê de "verdade", "fato", "realismo". É um salto no escuro. São duas coisas que vêm muito daquela nossa vontade quase sobrenatural de perseverar, de superar os obstáculos e a vida como ela é. Resistir ao caos. Muitas vezes, uma fé e uma esperança ingênuas, falsas.


Os filmes de super-herói sempre procuraram retratar muito bem isso: essa característica inerentemente humana de buscar no outro, no alienígena, no sobrenatural, nos deuses, na religião, uma salvação. Uma chance de sobreviver, persistir. O Superman sempre foi esse símbolo quase messiânico de alguém que vem para se sacrificar por nós, se doar por nós e nos salvar dos nossos pecados.


Por muito tempo, na minha infância e adolescência, eu amei filmes de super-herói. Mas, quanto mais eu crescia, amadurecia e enxergava o mundo como ele realmente era, mais essas narrativas começavam a me incomodar. Porque não passavam o realismo que eu buscava no momento. Essas histórias já não me satisfaziam, não me convenciam, não me entregavam o suficiente para entender o mundo e as pessoas. E aí, por muito tempo, eu me distanciei dessas histórias. Ainda sigo distante. Eventualmente, eu me vejo assistindo a um filme de super-herói. O próprio mundo tem passado por uma fadiga, uma crise dos filmes de super-herói – talvez não pelas razões que eu imagine, mas por uma dificuldade na linguagem.


Nesse contexto de estar sempre trazendo essas histórias para o hoje, e reintroduzindo essas histórias já contadas, de geração para geração, para novos públicos, novas audiências, o Superman de 2025, do James Gunn, entra como um reflexo do seu tempo. Um retrato do Superman no nosso momento atual. Um espelho da realidade e uma fantasia reconfortante para um contexto muito mais complexo do que o de décadas atrás. Uma realidade insuportável, da qual é impossível desviar o olhar. Uma realidade que invade até os filmes de super-herói.


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Se Deus voltasse hoje, se materializasse como homem e se envolvesse nos nossos conflitos humanos, eu tenho certeza de que nós não gostaríamos disso. Iríamos dizer que esse Deus, que se diz Deus, não tem direito aos nossos direitos, não tem voz, autoridade ou poder para se meter em nossas brigas políticas, nossas guerras. É curioso como, nessas horas, tememos tanto o alienígena e procuramos o humano como porto seguro, algo familiar, que conhecemos.


Em 2025, encontramos um Superman incoerente. Ignorante até. Um Superman que é testado constantemente pelos outros e questionado quanto ao seu papel como herói que ele diz ser. Lois Lane é a primeira faísca que provoca no Superman esse questionamento e o coloca contra a parede. O que ele está fazendo está dando certo? O Superman é cheio de boas intenções. Mas essas boas intenções consideram o quão complexo é o mundo atual? Países que invadem países. Países que vendem armas para outros países. Construções de narrativas nas redes sociais para moldar a forma como as pessoas enxergam o outro, como transformam o outro em inimigo com uma facilidade e rapidez assustadoras.


É nesse contexto que o Superman está inserido. James Gunn começa o filme a partir daí. De uma maneira que eu achei muito inteligente, engraçada até, ver o Superman nessa posição tão vulnerável e patética. O filme inteiro, de maneira bem pincelada, em momentos específicos, momentos-chave, aborda essas questões. Sem deixar de lado, claro, o tom cartunesco, a ação, a comédia, a exposição que explica, detalhe por detalhe, o que está acontecendo na tela, o que está sendo mostrado. Até porque é um filme com um público-alvo muito grande, então há pouco espaço para subtexto. Tudo é mostrado na tela, tudo é explicado. Não há espaço para subjetividade.


Mas, ainda assim, consegue ser um filme muito emocionante, muito divertido. Que conquista até os mais resistentes, como eu, que têm uma dificuldade tremenda com essas narrativas, com essa ideia de fé e esperança que é vendida. Conquista pessoas que, como eu, lá no fundo, bem lá no fundo, esperam por isso. Buscam por isso. Mesmo que inconscientemente. Uma solução que caia do céu e resolva meus problemas. Resolva os problemas do mundo.


É insuportável lembrar, por exemplo, da cena em que a criança está lá com a haste e a bandeira do Superman — cena essa em que eu até chorei — agarrada ao seu corpo, enquanto tem um exército de frente para ela, e ela suplicando: "Superman, me ajuda." Na vida real, sabemos muito bem como essa cena iria se desenrolar. Então assistir ela no cinema acontecer de uma maneira diferente, de uma maneira otimista, ao mesmo tempo em que eu sinto um gosto meio agridoce, amargo, por saber que isso na vida real não aconteceria desse jeito, é impossível não sentir um alívio. E acho que é daí que vem o motivo dessas histórias fazerem tanto sucesso. Porque as histórias de super-herói — mesmo com todas as suas crises, tendo ou não a ver com tudo isso que estou discutindo aqui — são histórias que vão sempre fazer sucesso. Tal como as religiões. Tal como a própria fé em algum ser superior a nós. Porque é parte do ser humano. Querendo ou não, é parte do ser humano querer buscar isso fora de nós mesmos.


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A Rachel Brosnahan, que faz a Lois Lane, está absurdamente maravilhosa. Eu esqueço o quanto sou apaixonado por essa atriz desde The Marvelous Mrs. Maisel. Ela se mostra como uma atriz competente, carismática, afiada e aqui não é diferente. A cena em que ela entrevista o Superman pela primeira vez é a minha favorita do filme. Uma cena que introduz com um pontapé qual será o tom da história. E Rachel não perde o tom no decorrer do filme. 


Nicholas Hoult como o Lex Luthor também está incrível. Ele pega as emoções do personagem e não tem medo de dar um tom mais expansivo, mais absurdo, mais caricato. Nicholas incorpora um Lex Luthor invejoso, vingativo e inconsequente.


David Corenswet como o Superman também está muito bem. É um papel importante que ele tem que exercer e ele faz isso com tranquilidade. Ao mesmo tempo em que é um personagem que carrega uma responsabilidade, é um papel muito seguro, muito confortável. Porque, de novo, o Superman é uma figura que sempre esteve nesse pedestal. É fácil adorar. Os momentos em que David brilha de verdade são nos momentos de fragilidade, de emoção, nos momentos em que ele se revela não como alienígena, mas como humano. David tem o carisma e a doçura no olhar para isso.


A direção do James Gunn está incrível. As cenas de ação são muito divertidas. O filme é muito colorido, é lindo visualmente. Um espetáculo visual de cinema. Uma experiência de entretenimento muito boa, eficiente, envolvente. Eu me via com os olhos enchendo de água só de estar vendo tanta cor num filme de super-herói em anos. E tanta criatividade e coragem de não ter medo de ser ridículo em alguns momentos. Um filme que brilha muito nesse aspecto.


Por mais presente que seja a fé, a esperança e essa urgência de buscar no "fora", no "além", uma resposta, uma salvação para os nossos problemas, o Superman de 2025 é um reflexo do nosso contexto político atual. É um filme que não somente entretém, mas coloca na mesa de diálogo esse retrato. É perceptível a influência de conflitos como Israel e Palestina, a influência da tecnologia como forma de manipular e espalhar mentiras e os Estados Unidos como país produtor de armas em massa. Traz também esse questionamento do papel do super-herói, desse deus, e a reflexão de que o Superman mais verdadeiro, mais cru, é o Superman humano. Que é falho. Que precisa de ajuda.


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Superman definitivamente é um ótimo filme de Superman. Ele não reinventa a roda, não tenta revolucionar alguma coisa, mas mantém a roda girando. Não é um retrocesso, muito pelo contrário: ele coloca mais coisas na “cozinha” para consumirmos, misturarmos, manipularmos e separarmos o que funciona e o que não serve mais. E é um ótimo entretenimento. Por isso, é um ótimo filme.


Pessoalmente, ainda não me vejo como público-alvo dessas histórias. De novo: elas não me satisfazem num ponto que atinja a minha alma. Me pergunto: que tipo de super-herói eu gostaria de ver na tela? Que tipo de figura seria capaz de despertar em mim não só a vontade de ser salvo, mas de me levantar e agir?


Ainda espero pelo dia em que eu, você que está lendo, nós consigamos encontrar essa luz, essa salvação, esse milagre, esse deus… não no céu, não em histórias, na Bíblia, religiões, mas em nós mesmos. Encontrar essa força absurda e inesgotável dentro de nós. Entender que ser humano é isso. Entender que a resposta pro "humano" está na imperfeição, na falha, no caos. Divino é sobreviver mesmo quando tudo nos empurra para o fim.


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